O Brasil e a região do Nordeste, mais especificamente, correm contra o tempo para comprovar a relação do surto de zika, transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, ao nascimento de bebês com microcefalia. Há uma forte evidência de que a ligação existe, com mais de 280 casos de microcefalia que se espalharam pela região nos últimos meses. Ao R7, a infectologista Vera Magalhães, professora titular de doenças infecciosas da Unifep (Universidade Federal de Pernambuco), ressalta que, nesse momento, tanto os médicos quanto as mulheres grávidas precisam manter a tranquilidade. Atualizada em relação à bateria de pesquisas que têm sido realizadas, ela acredita que um tratamento específico esteja para ser descoberto em breve, conforme diz na entrevista abaixo.
- R7 - Existe algo que relacione o zika vírus com o aumento de casos de microcefalia?
- Vera Magalhães - Começamos a ter evidências, mas ainda não houve comprovação. Há poucos dias foram detectados, na Paraíba, fetos com microcefalia em mulheres grávidas contaminadas pelo zika. Por meio da técnica PCR (sigla em português, Reação de Polimerização em Cadeia), verificou-se tal situação no líquido amniótico dessas gestantes. Isso é uma evidência forte de que esse aumento de microcefalia tem relação com o zika.
- R7 - Todas as mulheres grávidas que tiveram bebês com microcefalia estavam contaminadas pelo zika?
- VM - Não. Existem outras causas para a microcefalia. Não são todas, inclusive não há resultado em relação aos 286 casos em Pernambuco, dos testes até agora realizados. Ainda é cedo para atribuir todos os casos ao zika. Estamos diante de um fato inédito, desconhecido, porque o zika foi detectado já por volta dos anos 60 na África e na Ásia. E, assim como em 2007, quando houve epidemia na Micronésia, não ocorreu aumento de casos de microcefalia. VEJA MAIS...
- R7 - O que mais está intrigando os médicos?
- VM - Temos feito uma pergunta: por que só aqui, no Nordeste e mais especificamente em Pernambuco, houve aumento de casos de microcefalia? A gente não pode achar que as pessoas na África e Ásia, onde o zika é bem prevalente, não perceberiam se houvesse casos de microcefalia. Outras questões precisam ser elucidadas.
- R7 - Quais, por exemplo?
- VM - Primeiro, temos de saber se a microcefalia ocorre realmente em decorrência do zika. Se houver essa relação, temos de entender, por exemplo, por que em Pernambuco o número de ocorrências de microcefalia, proporcionalmente, é muito maior do que na Paraíba, um estado vizinho, que também registrou casos.
- R7 - Pelo fato de ser algo desconhecido, há alguma angústia entre os médicos?
- VM - Não vou dizer que haja angústia. Temos uma preocupação, mas estamos acostumados a lidar com situações desse tipo. Enfrentamos cólera, casos graves de dengue, com aumento de 500% dos casos dessa doença em um período, e agora temos de agir para encontrar soluções. Estamos na expectativa de que uma elucidação etiológica desses casos de microcefalia ocorram em pouco tempo.
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- R7 - Há alguma previsão de tempo para que a situação comece a se normalizar?
- VM - O Ministério da Saúde convocou pesquisas inclusive do Nordeste para tentar estruturar os dados e dar uma resposta rápida, para que haja uma melhor orientação dos procedimentos médicos. Acho que nos próximos dias isso irá ocorrer, inclusive foi decretado estado de emergência epidemiológica em Pernambuco, por ter sido o estado com maior número de casos.
- R7 - Como a doença pode ser evitada?
- VM - Já falamos há 20 anos na imprensa mas temos de repetir: de 80 a 90% dos criadouros estão dentro dos domicílios. É fundamental evitar ter água parada em casa, a caixa d'água deve esta fechada e não se deve ter resíduos de água. O número de agentes fiscalizadores não é suficiente para consegue controlar todos os domicílios e isso depende muito da consciência da população, que tem de vigiar constantemente se há algum foco em sua casa. Acúmulo de lixo também é problemático, porque quando após as chuvas o plástico retém a água parada.
- R7 - Quais as orientações para se evitar o contato com o mosquito?
- VM - Em primeiro lugar, o fundamental é agir para destruir focos. Evitar o contato é uma tarefa secundária, a ser feita depois, com utilização de roupas claras, compridas, manter locais com ar condicionado e cortinados, o que pode ajudar. Repelentes com DET também são indicados e não vi até agora restrições do produto para as mulheres grávidas. Também quem mora em andares altos corre menos rico de entrar em contato com o mosquito.
- R7 - Isso se tornou um tema polêmico, mas, objetivamente, vale a dica de evitar a gravidez nesse momento?
- VM - É preciso ter bom senso, na minha opinião. Quem puder esperar um pouco para engravidar, melhor. É algo mais indicado até elucidarmos com mais precisão e haver um maior domínio desses focos de aedes.
- R7 - O zika já é uma ameaça à saúde da população, como foi a dengue?
- VM - Dengue é um problema de saúde pública mundial, o zika não, ficou restrito à África e à Ásia durante muitas décadas. A partir de 2007 é que extravasou para outros locais e acredito que rapidamente vá se espalhar também por outros paises. Onde houve o mosquito Aedes aegypti vai ocorrer risco de transmissão do zika. No Brasil, o surto ficou evidente principamente por causa microcefalia, que gerou essa suspeita, já que 80% dos casos de Zika são assintomáticos. Em muitos locais as pessoas tiveram a doença e nem perceberam.
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- R7 - Por que alguém pega zika e não dengue?
- VM - Porque são vírus da mesma família e gênero, mas são vírus diferentes. Causam doenças diferentes e, dependendo do caso, afetam uma ou outra pessoa. O Aedes é um vetor capaz de transmitir diversos tipos de doença, dengue, zika, chikingunia e outras ainda. Se focos foram mantidos, a tendência é a introdução ainda de outros vírus transmitidos pelo mosquito.
- R7 - Qual a sua orientação para as mulheres que estão grávidas nessa região?
- VM - A mulher grávida deve fazer o acompanhamento pré-natal como faria normalmente, independentemente dessa questão. Enfatizamos que é importante realizar esse acompanhamento. Desespero e pânico não contribuem. É importante se informar e manter a tranquilidade. Estamos diante de algo novo, ainda sem tratamento específico, mas já enfrentamos outras situações e hoje sabemos melhor como lidar com elas. Preocupação sim, mas desespero não.
