
No dia 14 de novembro de 2024 o Caps II Jacobina completa dezenove anos de implantado, sendo este o primeiro serviço substitutivo ao modelo manicomial em saúde mental de Jacobina. Com o passar de quase duas décadas sabemos que muito ainda há a ser feito para que cheguemos ao que podemos chamar de bom funcionamento da RAPS (rede de atenção psicossocial) local, pois durante a maior parte deste tempo o foco das gestões, usuários e familiares foi no cotidiano do Caps.
Mesmo nos Caps em Jacobina, atualmente, deixamos de oferecer algumas práticas típicas de atenção psicossocial como as oficinas terapêuticas, refeição regular e de termos equipes completa, especialmente de técnicos efetivos, que garantiria a continuidade das práticas, vínculos e protocolos.
Quem está hoje nos serviços não esteve no momento da implantação, não vendo quando conseguíamos cumprir o protocolo do Ministério da Saúde, evitando a “ambulatorialização” no Caps, ocorrido com o tempo, especialmente por conta do enorme contingente de usuários, muito acima do preconizado pelo Ministério da Saúde. A oferta regular do acolhimento diurno regia o funcionamento dos Caps II nos anos iniciais da implantação e não o atendimento individual como ocorreu depois.
Quem já entrou no serviço com a prática médico centrada, sem receber compartilhamento das equipes de saúde da família, sem unidade de urgência ou suporte de hospital geral, acostumou a fazer o possível dentro do Caps, sem poder garantir a adesão ao tratamento, especialmente por falta da convivência regular com o usuário e familiar.
A irregularidade na oferta de medicamentos afetou ainda mais o sistema que já estava falho. Mas, o que mais precisamos para avançar é que cada território esteja receptivo a acolher as demandas, compartilhar cada caso, já tendo iniciado algum cuidado, acompanhar a adesão do projeto terapêutico orientado pelo Caps e acolher o cidadão ao receber alta, evitando a sua longa permanência num serviço limitado a cuidar de 220 pessoas (Caps II) por no máximo um ano, em geral.
A maioria das dificuldades nas unidades de Caps ficou mais visível no período da pandemia, pela interrupção das atividades coletivas. Infelizmente, depois deste período, as rotinas destes serviços não voltaram a ser o que foi preconizado para serviços substitutivos ao modelo manicomial, gerando o que se chama hoje em todo o Brasil, no meio dos “mentaleiros”, de “capscômio”.
Completando dezenove anos de implantação temos muito a construir ainda para sermos um modelo que honre os princípios da luta antimanicomial. Só fortaleceremos a adesão ao tratamento, evitando internações, humanizando o serviço e qualificando o cuidado se todo o fluxo da Rede de atenção psicossocial, da atenção básica, ao serviço hospitalar, reconhecerem suas tarefas.
Implantar uma rotina regular de matriciamento em saúde mental nos territórios, além de espaços terapêuticos, de convivência e práticas integrativas, será um grande salto nesse sentido, paralelo a reestruturação da rotina de atenção psicossocial nos Caps.
Tudo isso já foi proposto, pensado e executado em outros municípios, sendo possível realizarmos em Jacobina.
Uma equipe corajosa, digna, profissional, suportou muitas dificuldades na trincheira dessa luta pela implantação desse modelo aqui em Jacobina. Muitos ficaram pelo caminho. Sabemos que nada ainda está definitivamente construído, pois o apoio oficial ao que fazemos ainda não se bastou para seguirmos em frente.
Sonhamos com a comemoração dos vinte do Caps II Jacobina já tendo matriciado em saúde mental boa parte das Equipes de Saúde da família, executando algumas atividades terapêuticas nos territórios, e, reiniciada a rotina de Caps II, com alimentação regular nos acolhimentos diurnos, oferta regular de medicação, equipe mínima completa. Honraremos, assim, a proposta vinda de décadas de lutas, consubstanciada na Lei Paulo Delgado, gerando autonomia de cuidado, quebra de preconceito e fortalecimento do vínculo do cidadão com algum sofrimento psíquico com seu território.
Cledson Sady
Membro da Academia Jacobinense de Letras
O conteúdo Dezenove anos de atenção psicossocial em Jacobina: Da implantação aos avanços desejados aparece primeiro em .