Ex-vendedor de cocadas que conseguiu fazer cinco graduações, o servidor público Cristian Santos construiu uma casa de 750 metros quadrados em Brasília para poder abrigar seus 14 mil livros. O homem diz não ter dúvidas de que a paixão pela leitura o permitiu mudar de vida. O funcionário da Câmara dos Deputados chegou a ser impedido de assistir aulas em uma escola pública por não ter condições de comprar o uniforme novo e se refugiava das críticas dos colegas na biblioteca, onde encontrou livros que o ajudaram a ingressar na universidade. "Eu não sei dizer o quanto gastei, mas foi bastante", brinca. "Eu pegava um pouquinho do dinheiro que ganhava para poder fazer essa estrutura. Fiz estantes seguindo o padrão mesmo de uma biblioteca, climatizadas para abrigar livros raros." Entre as obras do servidor, que se apaixonou pelas letras aos 6 anos com "A arca de Noé" lida pela irmã, estão textos de Aluíso de Azevedo e dele. A tese de doutrado de Santos aborda a representação de padres e beatas na literatura e acaba de ser indicada para o Prêmio Jabuti nas categorias "melhor crítica literária" e "melhor capa”. Atualmente ele estuda a possibilidade de se mudar para um apartamento e doar os livros a alguma instituição pública. O homem conta que a fantasia o estimulava diante da realidade complicada. O pai era pedreiro e tinha dificuldades em sustentar a casa sozinho. A família passava por necessidades. “O pão, normalmente sem manteiga, era o do dia anterior, vendido pela metade do preço. O gás, raridade lá em casa, era substituído pela lenha, que alimentava uma lata de tinta transformada em fogão de duas bocas”, lembra. Aos 7 anos, o garoto sentiu na pele os reflexos da pobreza. Único na turma a não ter o uniforme, precisou usar a camiseta de um colega para fazer a foto de final de ano da escola. “Tornei-me o Welinton. Pela primeira vez em tantas outras, a miséria [veio] negar minha identidade.” Diante do quadro, a mãe do rapaz decidiu comprar cocos secos no mercado e preparar o doce para que ele pudesse vender pelas ruas de Brazlândia quando completou 9 anos. O lucro era usado na aquisição de um novo fruto, verduras em oferta e o passe escolar. “Meus clientes eram a vizinhança que, em sua grande maioria, não ignorava o porquê de eu vender cocada. Penso que muitos compravam os doces por compaixão”, afirma. Já na adolescência, outra atribuição do garoto passou a ser cuidar da casa.

