Até o final da manhã desta quinta-feira (2), dezenas de pescadores que participam da festa de Iemanjá no bairro do Rio Vermelho, em Salvador, já fizeram, em média, 30 viagens no mar para que os fiéis possam deixar presentes para a orixá. Os pescadores iniciaram as viagens por volta das 5h. É comum que as pessoas fiquem na fila e deixem os presentes na colônia de pescadores, para que de tarde, sejam levados para alto mar em um cortejo de barcos. Mas há quem prefira adiantar a entrega do presente. Esses devotos recorrem, então, aos pescadores que ficam à beira mar justamente para ajudá-los a levar o presente para a rainha do mar. O pescador e salva-vidas, Fernando Pessoa, é dos que já fez 30 viagens para levar fiéis a cerca de 500 metros da praia para depositar os presentes. Ele cobra R$ 20 por pessoa e, até o final da manhã, já ganhou R$ 500 com o serviço. "Meu barco é de motor, acabo cobrando mais que os colegas que usam remos. Mas, mesmo assim, o movimento está muito bom", disse. Saiba mais...
O pescador Everaldo dos Reis é um dos que cobram mais barato. Com o barco dele, que a remo, a viagem custa R$ 10 e ele já fez 20 viagens. "Deu para tirar uns R$ 200, mas ainda é pouco. Acredito que vai melhorar porque temos o dia todo", revelou.Para o contador Marcus Paulo Dantas, a escolha de deixar o presente mais distante da costa é também uma forma de driblar a fila. "O contato com Iemanjá é melhor. A gente evita filas, o sol quente e pode ter mais tranquilidade para estar com ela, agradecer, fazer nossos pedidos. Este ano eu vou agradecer muito e renovar os pedidos", disse o jovem que participa da festa pelo segundo ano.As amigas Vanessa Gonçalves e Carmela Navarro concordam com o contador. "É uma experiência diferente [levar o presente no barco]. A gente se sente em contato com Iemanjá. É bom demais", revelou Vanessa.
Devoção e fé
Uma longa fila se formou na Rua da Paciência, no Rio Vermelho, desde a madrugada desta quinta-feira para homenagens à Rainha do Mar. A festa foi aberta com uma alvorada antes das 5h, quando ainda era a lua que iluminava a orla. Na fila, centenas de fiéis aguardavam o grande momento de entregar as oferendas na Colônia de Pescadores, onde são guardados os balaios com presentes que vão para o alto-mar em dezenas de embarcações durante a tarde.Flores, perfumes, espelhos, colares, pentes. Segundo a crença do candomblé, Iemanjá é conhecida pela vaidade. As flores são maioria, pois as pessoas se dizem mais preocupadas com o cuidado em não poluir o mar.A maioria dos devotos costuma deixar os presentes na Colônia dos Pescadores para depois serem entregues em alto-mar. Mas há outras duas opções: lançá-los diretamente nas águas ou utilizar barcos dos próprios pescadores e depositar as oferendas um pouco distante da costa.Em meio à movimentação do Rio Vermelho, há quem espera receber boas energias com um banho de folhas ao longo da Rua da Paciência. Essa é uma tradição do candomblé. Da calçada é possível observar os devotos na areia da praia que fica lotada ao longo do dia 2 de fevereiro. O local se transforma em um verdadeiro tapete branco e azul, cores que representam Iemanjá.
Presente principal
A oferenda principal a Iemanjá é uma imagem da "Rainha do Mar". De acordo com Marcos Souza, presidente da Colônia de Pesca, o presente foi criado por artesãos que não quiseram ter as identidades divulgadas.Marcos detalha que um homem foi responsável pela construção da parte estrutural da imagem. Já uma mulher fez a customização com enfeites. O detalhe é que ambos fizeram o trabalho separadamente e não se conhecem.O presidente acrescenta que a imagem de Iemanjá foi construída com fibra de vidro. Por dentro, ela é oca para não pesar sobre o mar. Nos enfeites, Marcos diz que foi priorizado o uso de objetos naturais como as flores para não agredir o meio-ambiente.A oferenda será levada para o mar na tarde desta quinta-feira. Até o final do dia, a previsão da Colônia de Pesca é de que até 600 mil pessoas passem pelo bairro do Rio Vermelho, onde ocorrem os festejos.
História
A tradição do presente da mãe d'água, (como era conhecida festa), segundo historiadores, teve início em 1923, quando um grupo de 25 pescadores resolveu oferecer presentes para a "mãe das águas" na expectativa de que ela pudesse resolver o problema de escassez de peixes.A tradição foi crescendo e começou a ganhar força em 1930. O dia 2 de fevereiro, entretanto, só foi oficializado na década de 1950, quando o presente passou a ser chamado de "Festa de Iemanjá".Desde então, todos os anos eles pedem à orixá fartura de peixes e mar tranquilo. Entre as superstições que envolvem as homenagens, está a questão da receptividade dos presentes. Reza a lenda que, caso o presente seja encontrado na beira da praia, é porque a divindade não gostou da oferta.Quando a oferenda desaparece no mar, no entanto, é sinal de que o presente foi aceito. Nos últimos anos, são realizadas campanhas de conscientização para que as pessoas adotem presentes sustentáveis, como uma forma também de preservar o meio ambiente.
Oxum
As celebrações a Iemanjá começaram ainda na madrugada desta quinta-feira, quando frequentadores do terreiro Odê mirim, no Engenho Velho da Federação, foram para o Dique do Tororó, em Salvador, prestar homenagens a Oxum.Um dos participantes célebres dos festejos foi o cantor Carlinhos Brown, que ao lado da mãe de santo Aíce de Oxóssi, levou presentes para a orixá da água doce.O cantor explicou porquê as celebrações começam com a reverência a Oxum. "Iemanjá cuida do mar sagrado e das suas águas. Mas ela deixou Oxum para cuidar da água doce, dessa água de beber. Sem beber água doce, ninguém consegue navegar", contou o percussionista baiano.(G1/Bahia)
