CAPS AD Jacobina: 15 anos de resistência

No ano de 2006, havíamos implantado o Caps II Jacobina, já com grande clientela, funcionando conforme a proposta da reforma psiquiátrica, acolhendo os portadores de sofrimento psíquico de todas as partes do município e ate mesmo da região. Foi muito trabalhoso estruturarmos uma equipe de atenção psicossocial em Jacobina, que estava começando a implantar as unidades de saúde da família, não tendo especialistas para um serviço que não havia sido solicitado pela comunidade, políticos, conselho de saúde ou mesmo por profissionais. Aparentemente a demanda não existia.

Infelizmente esta não era a realidade. O que existia era o preconceito e o descaso com a loucura, coisa que está longe de acabar. Os portadores de sofrimento psíquico viviam escondidos, trancafiados em quartos com grades ou reclusos em longa permanência em hospitais psiquiátricos. Os hospitais gerais locais tralhavam com um medico por plantão, dificultando mesmo os atendimentos menos complexos, por falta de suporte das unidades básicas de saúde. A regra era a “ambulancioterapia”.

Nesse momento de implantação do Caps II, quando a população não entendia direito o papel de um centro de atenção psicossocial, sempre confundido com ambulatório de psicologia ou de psiquiatria, fato que ocorre até hoje, o coordenador estadual de saúde mental, Dr. Paulo Gabrielle nos propôs a implantação de um Centro de atenção psicossocial para pessoas usuárias de álcool ou outras drogas. No estado, em 2006, só existiam quatro serviços desta natureza, sendo o de Salvador mantido pelo governo do estado, com apoio do CETAD e da UFBA.

Com o apoio e aval do prefeito Rui Macêdo e do secretário de saúde, o amigo de lutas em favor da saúde pública no conselho municipal de saúde, desde antes daquela gestão, Ivonildo Dourado Bastos, iniciamos o processo de implantação, com mais dificuldade ainda para conseguirmos profissionais com perfil para esta difícil tarefa. Kátia Alves deu sequencia na pasta da saúde nesta gestão.

Na inauguração se fizeram presentes autoridades locais, comunidade, Dr. Paulo Gabrielle, psiquiatra, coordenador de saúde mental da SESAB e dois lideres religiosos que entendiam a necessidade de um serviço que oferecesse acolhimento a este público: o padre José, então Abade do Mosteiro do Jequitibá, e o pastor Milton Cesar, dois queridos amigos.

Já os conhecia das buscas pela melhoria da saúde mental dos mais carentes, mas, se os portadores de transtornos mentais não eram notados, os usuários crônicos de AD eram praticamente invisíveis. Discriminados e rejeitados em quase todos os serviços públicos, inclusive os de saúde, buscavam os núcleos religiosos. Depois de quinze anos o quadro ainda não mudou de forma significativa.

Foram muitas as lutas até aqui e não tenho duvidas sobre as dificuldades atuais. Estamos muito longe de termos condições de vencer este embate, especialmente contra o preconceito e da falta de estrutura na formação de toda a rede, da básica a hospitalar, para oferecer cuidado devido a esta clientela.

Agradeço a Deus a oportunidade de ter participado da implantação destes serviços, em especial do Caps AD Jacobina, o quinto serviço desta natureza no estado, o centésimo serviço substitutivo da Bahia

Saudade dos queridos colegas mentaleiros de todas as equipes que já compomos, de tantos grupos de oficinas, seminários, eventos sobre a luta manicomial e enfretamento ao tabagismo, participação no percurso formativo nacional em APS, ações em territórios, participação em congressos nacionais e estaduais, em Conferência Nacional de Saúde Mental, quando conseguimos muitos avanços, no embate, que a geração mais nova de profissionais ainda não sabe que foram conquistados, não cedidas pelo Ministério da Saúde. Assim, por exemplo, hoje temos Caps em cidades com menos de vinte mil habitantes.

Ainda temos um grave problema; a descontinuidade das equipes por falta de concurso público. A perda de vínculo entre clientela e profissionais, a falta de conhecimento do entorno, por parte do novo profissional, a quebra das rotinas, entre uma gestão e outra, levanta grande obstáculo para a oferta de cuidados devidos a esta clientela excluída.

Do Caps AD de Jacobina, me orgulha muito; os seminários e workshops realizados, as participações em congressos com trabalhos inscritos, as atividades extramuros, especialmente no mercado municipal, no “corredor da morte”; a micareta de 2008, quando saímos com um bloco composto por 300 usuários dos dois Caps de Jacobina; a implantação de um centro de convivência e cultura em parceria com o Quilombo Erê; da realização de práticas de terapia comunitária, de tantas e tantas ações realizadas nos domicílios, no sigilo, na crise, durantes as oficinas de pintura de óleo sobre tela, de terapia corporal, de mosaico, das aulas de computação; o São João no Centro do idoso, dos “dias da alegria”, dos jogos de futebol, cinema no centro cultural, jogos de dominó e sinuca, passeios e visitas públicas, o cotidiano do serviço que fizeram excluídos e profissionais fortalecerem vínculos, abrirem oportunidade de cuidado, reduzir agravos.

Todo o dia penso em recomeçar tudo que já oferecemos. Novamente estamos reconstruindo: equipe, espaço físico, rotina, fluxo, relação com as unidades de atenção básica e hospitalares, com as comunidades, famílias e com a cidade. Sabemos que somos excluídos. Mas, nestes 15 anos, aprendemos a recomeçar a cada nova queda. Temos uns aos outros, ainda que poucos. Muito obrigado a todos os colegas, da equipe atual e de todas as gestões, usuários e familiares por termos chegado ate aqui. Se isso foi possível, na invisibilidade, iremos adiante.

                                      Cledson Sady                        Jacobina, 20 de Setembro de 2021

                                Diretor de Saúde Mental

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