Por José Antônio Valois
Entenda como um julgamento envolvendo João Doria foi transformado em manchetes distorcidas, gerando polêmica e desinformação
Nos últimos dias, manchetes espalhadas por sites de notícias afirmaram que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) teria proibido prefeitos de divulgarem ações de governo em seus perfis pessoais nas redes sociais. A notícia se multiplicou rapidamente e gerou insegurança em assessorias de comunicação de norte a sul do país.
Mas a informação não corresponde à realidade. Nenhum grande veículo de imprensa repercutiu a suposta “proibição geral”, justamente porque ela nasceu de uma interpretação equivocada de um caso específico: a ação de improbidade administrativa contra o ex-prefeito de São Paulo João Doria.
O que o STJ de fato decidiu
Em fevereiro de 2025, a Segunda Turma do STJ não editou nenhuma norma abstrata nem condenou prefeitos em bloco. O tribunal apenas autorizou o prosseguimento de uma ação de improbidade movida pelo Ministério Público paulista.
O MP acusa Doria de ter utilizado verbas públicas em campanhas de publicidade que, em vez de cumprir a função informativa, teriam servido para promover a sua própria imagem. O STJ entendeu que havia indícios suficientes para que o processo seguisse, sem qualquer juízo definitivo de culpa.
_Em resumo:_
Não houve condenação.
Não houve regra geral.
Não houve proibição de prefeitos usarem redes sociais.
Houve apenas a permissão para que o processo continue a ser julgado.
Onde nasceu a confusão
A decisão, restrita ao caso concreto, foi transformada em manchetes sensacionalistas que passaram a circular como se houvesse uma determinação geral contra prefeitos. Daí surgiu a onda de desinformação que atingiu milhares de prefeituras e seus setores de comunicação.
Essa distorção é um exemplo típico da chamada fake news jurídica: quando uma decisão pontual é convertida em “verdade absoluta”, alimentando insegurança e ruído no debate público.
O que diz a Constituição
O artigo 37, §1º, da Constituição Federal é taxativo:
A publicidade dos atos, programas, obras e serviços públicos deve ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, vedada a promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.
Dessa regra derivam dois princípios fundamentais:
Transparência: informar é dever constitucional. Obras, programas e gastos públicos devem ser comunicados à sociedade.
Impessoalidade: essa comunicação não pode ser confundida com marketing pessoal, muito menos custeada com dinheiro público.
Doutrina e jurisprudência: o debate
Parte da doutrina jurídica adota uma visão mais rigorosa, entendendo que prefeitos não deveriam usar perfis pessoais para divulgar ações de governo, justamente para evitar a fusão entre espaço público e privado.
Já a jurisprudência dos tribunais superiores tem sido clara: não existe proibição genérica. O que há é a análise de casos concretos, para verificar se houve desvio de finalidade, autopromoção ou uso irregular de recursos públicos.
_Na prática: o que pode e o que não pode_
Pode: prefeitos divulgarem atos de gestão em perfis pessoais, de forma informativa, sem custeio público e sem linguagem personalista.
Não pode: usar verba da prefeitura para impulsionar postagens pessoais, criar slogans atrelados ao nome do gestor ou exagerar na personalização da comunicação.
É ilegal: transformar publicidade institucional em enaltecimento da figura política, confundindo prestação de contas com propaganda eleitoral antecipada.
O limite é claro: transparência, sim; autopromoção, não.
O risco da desinformação
Num país com mais de 5.500 prefeituras, a comunicação pública não pode ser refém de boatos. Quando uma decisão judicial é mal interpretada e ganha manchetes apelativas, prefeitos e suas equipes ficam expostos a duas armadilhas: o medo de comunicar — prejudicando a transparência — ou o abuso na promoção pessoal — incorrendo em ilegalidade.
A única saída é reforçar a credibilidade da comunicação institucional, baseada em clareza, responsabilidade e fidelidade aos fatos.
Conclusão
O STJ não proibiu prefeitos de utilizarem redes sociais pessoais para divulgar atos de gestão. O que reafirmou é o que já está escrito na Constituição: a comunicação pública deve ser informativa, impessoal e voltada ao interesse coletivo.
Entre o dever de informar e a proibição de autopromoção, cabe a gestores e equipes de comunicação encontrar o equilíbrio que garante uma publicidade legítima e constitucional.
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