
Por João Batista Ferreira
Jacobina, situada no coração do sertão baiano, figura como uma das regiões mais emblemáticas do processo de ocupação do interior da América portuguesa. Desde o século XVII, seu território tornou-se palco de intensas disputas, alianças estratégicas e ações missionárias que moldaram profundamente a paisagem humana e cultural do sertão. Os caminhos que ligavam a Bahia ao Piauí fizeram da região uma rota fundamental para o transporte de gado, atividade que impulsionou a presença de sesmeiros, criadores e aventureiros, ao mesmo tempo em que tensionou as relações com os povos indígenas que ali viviam
A diversidade de grupos indígenas — como Kiriri, Payayá, Boimé, Kaimbé e outros — transformou Jacobina em um território multicultural, porém marcado por conflitos. A expansão do gado, realizada sem considerar os territórios indígenas, gerou sucessivos enfrentamentos entre curraleiros e aldeias tradicionais. O sertão das Jacobinas tornou-se então ambiente de disputas constantes, tanto pelo controle da terra quanto pelo domínio da mão de obra indígena, vista pelos colonizadores como estratégica para a consolidação de fazendas e povoados. Esses embates foram frequentemente agravados pela atuação de bandeirantes e tropas de “entradas”, convocadas para reprimir aldeias consideradas obstáculos ao avanço colonial
Nesse cenário, as missões religiosas assumiram papel central. A partir de 1666, os jesuítas — especialmente os padres Jacob Roland e João de Barros — adentraram o sertão com o objetivo de organizar aldeamentos e promover a catequese. Ao contrário de modelos adotados no litoral, esses missionários defenderam que os indígenas deveriam permanecer em suas próprias terras, sendo evangelizados sem remoção forçada. Tal posicionamento, inovador e controverso, gerou divergências dentro da própria Companhia de Jesus e atraiu a oposição de fazendeiros influentes, como a família Garcia d’Ávila, que temia perder o controle sobre vastas extensões sertanejas
As tensões atingiram seu ápice em 1669, quando três aldeias organizadas pelos jesuítas foram destruídas por forças ligadas a curraleiros e autoridades locais. Apenas a aldeia de Santa Teresa de Canabrava resistiu. Mesmo após a devastação, parte dos indígenas refugiou-se ou seguiu para novas aldeias criadas posteriormente, como Natuba e Saco dos Morcegos. Esses eventos revelam como a dinâmica política e econômica da região interferia diretamente na missão religiosa e na sobrevivência das comunidades nativas, cuja resistência moldou o curso da história regional
Embora marcadas pela violência, as experiências de catequese em Jacobina deixaram um legado relevante para a compreensão do sertão baiano. Os relatos jesuítas fornecem detalhes preciosos sobre as línguas locais, os rituais, as redes de troca, os costumes e a organização comunitária dos povos indígenas. Ao mesmo tempo, evidenciam como a atuação colonial estava entrelaçada a interesses privados, rivalidades políticas e constantes reconfigurações territoriais. Jacobina foi, assim, um laboratório social onde se enfrentaram diferentes projetos de futuro — indígenas, coloniais, religiosos e econômicos
Hoje, ao revisitarmos a história da região, torna-se evidente que Jacobina não pode ser compreendida apenas como um ponto no mapa do sertão, mas como um espaço simbólico da formação do Brasil interior. Seu passado é marcado por deslocamentos, resistências e negociações que continuam a influenciar a memória regional. Entender Jacobina é compreender os caminhos profundos do sertão e os diálogos — nem sempre pacíficos — que construíram sua identidade múltipla e singular.
Esse artigo se baseou no estudo acadêmico “Contra a prudência e a providência”: os Padres
Jacob e João de Barros e a colonização no sertão das jacobinas.
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