A Hóstia Consagrada que levou Mateus Pereira Machado de Jacobina à Inquisição em Portugal

Retrato conceitual criado por inteligência artificial de Mateus Pereira Machado, acusado pelo Santo Ofício no episódio que envolveu a hóstia consagrada.

Por João Batista Ferreira

Depois da história do forro José Martins, avançamos agora para o percurso de Mateus Pereira Machado, escravo pertencente ao capitão João Pereira de Almeida. Sua história, registrada minuciosamente pelo Santo Ofício, revela como um simples objeto de proteção — uma bolsa de mandinga — foi suficiente para arrastá-lo de Jacobina aos porões da Inquisição em Lisboa.

Mateus surgiu no sumário de culpas aberto pelo vigário João Mendes como figura central: era ele quem, segundo José Martins, entregara ao escravo Luiz uma hóstia consagrada para compor o patuá que circulava entre os acusados. Interrogado em Jacobina, Mateus negou ter obtido a hóstia ou ter participado de qualquer cerimônia sacrílega. Admitiu apenas conhecer as bolsas de mandinga, usadas por muitos escravos para proteção. A fama dessas bolsas — que misturavam orações, símbolos católicos e práticas africanas — espalhou-se pela vila Riachão (atualmente Itaitu), e o caso rapidamente se transformou em escândalo. Em meio às investigações, Mateus, assim como os demais, acabou preso. Mas conseguiu fugir da cadeia de Jacobina, tornando-se foragido por muitos meses até ser recapturado por ordem expressa da própria Inquisição.

Levado primeiro para Salvador e depois embarcado rumo a Portugal, Mateus chegou aos cárceres secretos da Inquisição em janeiro de 1752. Ali, como os outros três jacobinenses, foi mantido em cela isolada, impedido de falar até mesmo com aqueles que haviam viajado com ele. Nos interrogatórios iniciais, repetiu que nunca participara de feitiçaria e que desconhecia qualquer pacto demoníaco. Disse acreditar que as bolsas serviam apenas como proteção contra perigos dos caminhos, prática comum entre africanos e crioulos nas regiões interiores da Bahia. Entretanto, novas diligências enviadas de Lisboa para Jacobina trouxeram relatos de vizinhos e senhores que afirmavam ter visto Mateus envolvido com as mandingas desde muito tempo.

Em uma das audiências mais reveladoras, Mateus contou que vira José Martins certa vez “tremendo da cabeça aos pés”, como se estivesse tomado por forte emoção, ao receber uma bolsa de mandinga. Esse relato reforçou a suspeita dos inquisidores de que as bolsas não eram simples amuletos, mas instrumentos de pacto maligno. Como acontecia com tantos réus do Santo Ofício, a interpretação das autoridades religiosas não considerava a complexidade cultural da época — o sincretismo entre devoções católicas e tradições africanas —, mas apenas a possibilidade de heresia. Por isso, cada frase, cada gesto e cada lembrança de Mateus era examinada como possível confirmação de culpa.

A etapa mais dura do processo viria em 1756, quando Mateus foi submetido aos suplícios empregados pelo tribunal. Levado à câmara de tormentos, sofreu o potro, onde as articulações eram esticadas por correias de couro e torniquetes. A dor tinha um propósito claro: extrair confissões. Não há registro de que Mateus tenha admitido qualquer pacto; apenas reafirmou que as bolsas eram objetos de proteção. Meses depois, foi conduzido ao Auto de Fé de Évora, em 20 de junho de 1756, onde recebeu sua sentença: quatro anos de degredo em região remota de Portugal, longe de sua terra, de seu senhor e de tudo o que conhecia.

Após essa punição, o nome de Mateus Pereira Machado desaparece dos registros sobreviventes. Nada sabemos sobre sua vida no degredo, nem se viveu para ver o decreto de 1761 que libertaria todos os escravos residentes no Reino. Seu trajeto — da rotina nas veredas de Jacobina às salas austeras do Santo Ofício — expõe a violência de um tempo em que práticas culturais africanas eram criminalizadas como feitiçaria. E lembra que, por trás de cada processo inquisitorial, havia vidas inteiras submetidas à força de uma estrutura religiosa destinada a esmagar diferenças, silenciar tradições e impor medo onde antes havia apenas fé, sobrevivência e esperança.

Para a elaboração deste artigo, utilizei como principal referência o estudo “Quatro mandigueiros do sertão de Jacobina nas garras da Inquisição”, pesquisa conduzida pelo antropólogo e historiador Luiz Mott.

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