*Por Edson Júnior Matos dos Anjos –
Historicamente, no Brasil o poder sempre esteve atrelado aos mais ricos, aos mais influentes ou àqueles sustentados pelas elites econômicas. Imperadores, presidentes e demais governantes, bem como parlamentares nas mais distintas instâncias, raramente chegavam ao topo sem o respaldo financeiro que alimentava seus projetos de poder. O resultado dessa simbiose entre riqueza e autoridade foi a perpetuação de privilégios para um pequeno grupo dominante, enquanto as maiorias sociais eram relegadas à marginalidade política e econômica. Como dizia o sociólogo francês Pierre Bourdieu, “o poder simbólico é um poder invisível que só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos” — e, no Brasil, essa cumplicidade foi muitas vezes forjada pela exclusão do povo das decisões mais importantes.
Desde o período colonial, quando a Coroa Portuguesa estabeleceu um sistema econômico voltado para a exploração e exportação de riquezas, passando pelo Império com sua elite agrária escravocrata, até a Primeira República, marcada pelo voto censitário e controlado pelos coronéis, o poder esteve protegido por barreiras que garantiam a reprodução da desigualdade. A isenção de impostos para setores privilegiados, o financiamento estatal a negócios privados e a restrição ao direito de voto foram mecanismos que asseguraram que o “rio” da política sempre corresse para o “mar” da elite dominante.
Durante a Era Vargas, por exemplo, conquistas trabalhistas foram introduzidas, mas ao mesmo tempo a estrutura de poder manteve-se centralizada e controlada pelo Estado, sem romper, de fato, com a lógica excludente. Já no regime militar (1964-1985), o desenvolvimento econômico, financiado com endividamento externo, beneficiou grandes empresários, enquanto camponeses, operários e movimentos sociais foram silenciados à força. O Brasil democrático que emergiu após 1985 trouxe avanços inegáveis, como a universalização do voto e políticas sociais que reduziram a miséria e a pobreza, mas ainda carrega a marca histórica de uma representatividade profundamente desigual.
Não é por acaso que, em mais de duzentos anos desde a independência, o Brasil teve pouquíssimos líderes vindos das camadas populares e apenas uma mulher, Dilma Rousseff, chegou ao mais alto cargo da República — sendo, no entanto, deposta por um processo parlamentar que muitos estudiosos — inclusive eu — qualificam como golpe. A representatividade indígena, negra e feminina no Congresso Nacional segue mínima, revelando que a democracia formal ainda não se traduziu em democracia substantiva. O historiador José Murilo de Carvalho lembra que, no Brasil, “o povo assistiu, de camarote, a maioria das grandes mudanças políticas” — uma constatação que ainda ecoa em nossa realidade.
Entretanto, nas últimas décadas, especialmente após a fundação do Partido dos Trabalhadores na década de 1980, o país passou a testemunhar um movimento inédito de ascensão política das classes populares. Sob as orientações de governos progressistas, liderados por Luiz Inácio Lula da Silva, operário metalúrgico que rompeu as barreiras da elite política, o Brasil experimentou um período de inclusão social sem precedentes. Programas como Bolsa Família, Prouni, Fies, Luz para Todos, Minha Casa Minha Vida e as políticas de valorização do salário mínimo retiraram milhões de pessoas da miséria, ampliaram o acesso à educação superior e fortaleceram o consumo interno. A presença de filhos de trabalhadores em universidades, a expansão das cotas raciais e sociais e o crescimento de políticas afirmativas consolidaram um novo protagonismo das camadas historicamente excluídas.
Esse movimento transformador também se refletiu, ainda que de forma tímida, na ampliação da representatividade política. Hoje, o Congresso Nacional, as assembleias estaduais, bem como câmaras de vereadores espalhadas por todo o país, contam com bancadas formadas por mulheres negras, indígenas, trabalhadores e jovens oriundos de movimentos populares. Esse fenômeno, embora ainda minoritário, é reflexo direto da mobilização social iniciada no ciclo dos governos de esquerda e mantida, com grande esforço, no atual governo Lula, que vem enfrentando o enorme desafio de reconstruir o país após anos de retrocessos e desmonte de políticas públicas.
Contudo, o poder econômico segue exercendo forte influência sobre a estrutura política brasileira. O grande capital financeiro, as elites empresariais da Faria Lima, e agora mais recentemente, as empresas de apostas on-line (as chamadas “bets”) e os super-ricos mantêm-se como grupos de pressão permanentes sobre o Estado brasileiro, especialmente através de suas representações no Congresso Nacional, hoje dominado pelo Centrão e pela extrema direita. Esses blocos parlamentares funcionam como verdadeiros guardiões dos interesses das elites dominantes, travando pautas populares, sabotando avanços sociais e bloqueando reformas estruturais que poderiam reduzir desigualdades, à exemplo da votação que aconteceu na Câmara dos Deputados essa semana em relação à Medida Provisória nº 1303/25. Assim, a democracia brasileira permanece sob o cerco do poder econômico, que continua por muitas vezes, ditando as regras do jogo político e limitando o alcance da vontade popular.
Ao olharmos para trás, percebemos que quase todas as conquistas das classes populares foram arrancadas com muita luta. A maioria em tempos recentes. O direito ao voto dos analfabetos só foi garantido em 1985. Mulheres conquistaram o direito de votar em 1932, mas até hoje enfrentam barreiras estruturais. Povos indígenas e negros continuam sendo vítimas de políticas que pouco refletem seus interesses. Essa exclusão histórica não é mero acaso: é parte de um sistema que insiste em se reproduzir, privilegiando quem já nasceu em condições favorecidas.
Contudo, como nos ensina Antonio Gramsci, “a crise consiste justamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer”. O sistema político e econômico brasileiro, marcado por desigualdades, pode e deve ser transformado. Isso exige consciência política, consciência de classe e participação ativa das maiorias que historicamente foram excluídas. O voto, nesse sentido, não é apenas um direito: é uma arma poderosa de transformação social, quando exercido de maneira crítica e comprometida com a pluralidade.
No cotidiano do meu árduo trabalho de educador, há muito tempo tenho debatido e procurado formar consciências para o desafio de rompermos com a naturalização dessas estruturas de exclusão, que são históricas. Não podemos aceitar que a representatividade continue restrita às elites tradicionais. Precisamos de mais negros, mulheres, indígenas, trabalhadores e pobres ocupando espaços de decisão, para que o Estado brasileiro seja reflexo, de fato, da diversidade de sua população.
Cabe a cada cidadão compreender que seu papel vai além do ato de votar: é preciso acompanhar, fiscalizar, cobrar e pressionar por políticas públicas que ampliem direitos e combatam privilégios históricos. O sistema não é uma prisão inescapável; ele pode ser transformado quando as maiorias se organizam e se reconhecem como protagonistas.
Acredito que as eleições de 2026 representarão uma oportunidade histórica de avançarmos no tamanho político das representações populares. Manter o governo Lula e reduzir o poder político do Centrão e da extrema direita na Câmara e no Senado é condição essencial para que o Brasil avance em sua trajetória de inclusão, justiça e soberania popular. É hora de aprofundar as conquistas das últimas décadas e garantir que o poder e o dinheiro, finalmente, deixem de caminhar juntos — para que, enfim, poder e povo se unam na construção de um país verdadeiramente justo, plural e democrático.
*EDSON JÚNIOR MATOS DOS ANJOS É HISTORIADOR FORMADO PELA UNIVERSIDADE ESTADUAL DA BAHIA, PÓS GRADUADO EM TURISMO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, PÓS GRADUADO EM GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS, PÓS GRADUANDO EM HISTÓRIA DO BRASIL E PROFESSOR DO COLÉGIO ESTADUAL PROFESSORA ADJACI MARTINS DURANS DE VÁRZEA NOVA – BAHIA
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