No ano passado, Juan Santos jogou na Série D do Campeonato Brasileiro sem registro na carteira profissional. Só tinha um contrato de trabalho com seis meses de duração. Teve uma hérnia de disco, mas continuou jogando por exigência do clube. Fazia tratamento e tomava relaxante muscular. No final do contrato, foi dispensado. Na rescisão, não recebeu 13.º salário, férias proporcionais ou aviso prévio. Saiu, como ele próprio diz, “com uma mão na frente e outra atrás”. Depois de uma crise da hérnia que o impediu de treinar, recorreu a um amigo para fazer sessões de fisioterapia de graça na Pompeia, bairro da zona oeste de São Paulo. Quando conseguir um time, vai pagar o tratamento.O registro na carteira de trabalho, algo comum em todas as categorias, passa a ser obrigatório em fevereiro para os clubes que querem inscrever atletas nos torneios. A imposição da CBF, que atende a uma solicitação da Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (Fenapaf), procura corrigir uma malandragem histórica dos clubes: deixar de lado o registro profissional. O comunicado aos presidentes das federações foi divulgado em dezembro; o mês de janeiro está sendo dedicado aos ajustes operacionais dos clubes e, a partir de fevereiro, a coisa será para valer. Sem o registro profissional, o clube não vai conseguir registrar os atletas. “Queremos mudar a cultura de não assinar a carteira de trabalho”, disse Reynaldo Buzzoni, diretor de Registro, Transferência e Licenciamento de Clubes e que assina o documento da CBF.
“Jogador de futebol é um trabalhador como qualquer outro”, cobrou o goleiro Erico, do Mossoró-RN. A frase pode soar óbvia, mas não para a maioria dos clubes. A Fenapaf calcula que 80% deles “não assinam a carteira”, como se diz popularmente. Com isso, a entidade acredita que a medida da CBF vai beneficiar cerca de 10 mil jogadores que atuam nos clubes C e D do Brasileirão. “Os jogadores de futebol não apareciam nas estatísticas do Ministério do Trabalho, mas agora vão aparecer”, afirmou Felipe Augusto Leite, presidente da Fenapaf. O impacto será maior sobre os clubes menores. Neles, jogadores que ainda buscam uma oportunidade de brilhar e tentam driblar o anonimato. É o lado B do futebol brasileiro. Os clubes não admitem o problema. Dos 15 ouvidos pelo jornal O Estado de S.Paulo, todos afirmaram que registram a carteira.
Américo Espallargas, advogado especialista em Direito Desportivo do CSMV Advogados, explica que os clubes que não registram a carteira estão sujeitos a uma multa, imposta pela Delegacia do Trabalho, que equivale à metade do salário mínimo regional. Se a prática for frequente, o valor sobe consideravelmente. “O registro em carteira não decorre da lei desportiva, mas sim da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT)”, completou. Isso significa que os clubes não estavam cumprindo a lei do trabalho. Simples assim. O Ministério do Trabalho dificilmente conseguiria fiscalizar todos eles. De acordo com a CBF, existem hoje 722 clubes profissionais no País. O balanço de 2017 aponta 24 mil contratos definitivos e outros 26 mil vínculos não profissionais. (Estadão)