O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega nesta quinta-feira (8) a Moscou, a convite de Vladimir Putin. A visita oficial busca sinalizar a independência da política externa brasileira, mas analistas alertam que pode ter o efeito contrário: reforçar o alinhamento com a Rússia, contrariando posições históricas do Brasil em conflitos.
A agenda do presidente em Moscou prevê um encontro bilateral com Putin ― o primeiro desde que Lula voltou ao Palácio do Planalto em seu terceiro mandato.
O líder brasileiro também vai acompanhar o desfile militar que marca os 80 anos da vitória da antiga União Soviética sobre a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial.
Nos últimos anos, após a agressão contra Ucrânia, a celebração passou a ser vista como uma demonstração de força da Rússia.
O Kremlin vai exibir tropas, veículos militares e sistemas de armas no tradicional desfile na Praça Vermelha nesta sexta-feira (9) em Moscou, e espera reunir 29 líderes internacionais, de acordo com o conselheiro de Política Externa russo, Yuri Ushakov.
Além do presidente Lula, devem estar presentes os líderes da China, Xi Jinping, da Venezuela, Nicolás Maduro, de Cuba, Miguel Díaz-Canel, representantes de ex-repúblicas soviéticas e de países africanos que mantém relações próximas com a Rússia.
Os únicos europeus esperados pelo Kremlin são Robert Fico, da Eslováquia, e Aleksandar Vucic, da Sérvia.
Isso sugere que a Rússia não tem apenas aliados, mas um grande número de países que estão próximos do espírito de nossa ideologia e de nossas visões de mundo, disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, sobre a presença de líderes internacionais em Moscou para o Dia da Vitória, sem citar especificamente Lula.
Até 2014, o desfile era visto como a celebração da vitória sobre os nazistas, lembra o pesquisador da Universidade de Harvard Vitelio Brustolin, referindo-se à anexação da Crimeia pela Rússia.Mas perdeu o sentido porque é uma celebração da paz e do respeito à soberania, e agora Putin representa uma ameaça a esses valores, adicionou.
Após tomar a Crimeia, em 2014, e lançar a invasão em larga escala, em 2022, a Rússia controla cerca de 20% da Ucrânia, que enfrenta bombardeios constantes.
Nesse contexto, analistas apontam que a visita oficial de Lula ao país agressor prejudica a imagem do Brasil como defensor do direito internacional e, portanto, contraria o interesse nacional.
Lula conduz uma diplomacia personalista que se afasta dessas tradições, as contraria frontalmente e vai acarretar em desgaste para o Brasil junto aos seus parceiros tradicionais no Ocidente, afirma o diplomata de carreira Paulo Roberto de Almeida, que considera a visita do presidente brasileiro à Rússia constrangedora.
Essa percepção de alinhamento foi reforçada pela Ucrânia, que se mostrou contrariada com a ida de Lula à Rússia. Às vésperas da viagem, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, recusou uma conversa por telefone com o brasileiro, e fontes em Kiev disseram à CNN que a visita oficial consolida o apoio a Putin.
Na avaliação de representantes do governo ucraniano, Lula buscou um “álibi” para ir a Moscou e apoiar Vladimir Putin ao pedir para falar com Zelensky.
Lula vai, literalmente, mostrar que está ao lado de Putin, pontuou uma fonte de Kiev ao analista internacional Américo Martins.
Oficialmente, o Brasil condena a guerra e defende da via diplomática para resolução do conflito. No entanto, especialistas apontam para a divergência entre a posição da diplomacia brasileira e a postura do presidente Lula, considerado próximo a Vladimir Putin.
Em declarações controversas, Lula equiparou a responsabilidade que Rússia e Ucrânia teriam sobre o conflito ao dizer que “quando um não quer, dois não brigam” e sugeriu que o fornecimento de armas para defesa ucraniana prolongavam a guerra.
Ele também defendeu que Vladimir Putin viesse ao Brasil, apesar do mandado de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) contra o presidente russo, acusado por crimes de guerra.
A diplomacia profissional condenou a guerra em votações na ONU. Então, o Brasil tem condenado a agressão russa. Agora, o posicionamento do presidente Lula e integrantes do gabinete é de apoio a Putin. E é assim que os ucranianos veem, observa Vitelio Brustolin.
Se o Brasil quer se colocar como um mediador para encerrar a guerra ― e a visita de Lula tem também esse viés ― por que ele não vai à Ucrânia?, questiona.
Durante a visita a Moscou, Lula deve dizer a Putin que o Brasil tem credenciais para participar ativamente dos esforços para a paz. As negociações foram retomadas pelos Estados Unidos, em conversas separadas com russos e ucranianos, mas não houve acordo para o cessar-fogo de um mês proposto por Donald Trump.
O professor de Relações Internacionais da FGV Pedro Brites se mostrou cético sobre a possibilidade de o Brasil mediar a solução para a guerra na Ucrânia.
Mesmo que o presidente brasileiro deixe Moscou sem avanços nesse sentido, Brites pondera que a viagem de Lula para Rússia e, na sequência, para China reforça laços com parceiros comerciais do Brasil em meio à disputa tarifária desencadeada por Donald Trump.
É um sinal claro de que o governo mantém sua aposta nos Brics como eixo estratégico para a política externa.
A visita à Rússia no contexto da guerra na Ucrânia tem um custo para imagem porque pode simbolizar um alinhamento, mas em termos de vantagens é uma tentativa de reforçar laços comerciais com um parceiro que tem ganhado relevância e aprofundar a cooperação no âmbito dos Brics, afirma.
A Rússia está entre os 13 maiores parceiros comerciais do Brasil, com US$ 12,4 bilhões de comércio bilateral entre os dois países em 2024. A balança, no entanto, tem déficit de US$ 9,5 bilhões do lado brasileiro e busca por mais equilíbrio é um dos focos da relação com a Rússia.
O Brasil tem uma relação comercial importante com a Rússia de produtos do agronegócio, e queremos equilibrar nossa balança comercial, disse o embaixador Eduardo Saboia, secretário de Ásia e Pacífico do Ministério das Relações Exteriores, entrevista coletiva no Palácio Itamaraty.
O Brasil exporta principalmente produtos agropecuários, em especial soja, carnes, café e amendoim. Do outro lado, o país compra da Rússia combustíveis e fertilizantes.
Fonte: CNN / Foto: Marcelo Camargo